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20 de Maio de 2024

Previdência Social - Aspectos constitucionais e questões atuais

Publicado por Helena Bianca Piazza
há 8 anos

A seguridade social consiste em um sistema de proteção social voltado aos indivíduos, constituída por um conjunto de ações e benefícios de responsabilidade dos poderes públicos, com o objetivo de garantir direitos relacionados à saúde, à previdência e à assistência social. Suas diretrizes estão previstas no artigo 194 da Constituição Federal:

Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.

Parágrafo único. Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a seguridade social, com base nos seguintes objetivos:

I - universalidade da cobertura e do atendimento;

II - uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais;

III - seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços;

IV - irredutibilidade do valor dos benefícios;

V - eqüidade na forma de participação no custeio;

VI - diversidade da base de financiamento;

VII - caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

A seguridade social tem seu primeiro registro histórico no início do século XVII, na Inglaterra, com o Poor Relief Act, de cunho assistencial e que instituía contribuição obrigatória para fins sociais. Entretanto, foi concretizada como uma forma de proteção social assegurada a todos os cidadãos apenas no século XVIII, com a Declaração dos Direitos do Homem. Por sua vez, a maior contribuição no sentido de uma política assistencialista provida e gerida pelo Estado tem berço nas pressões decorrentes da revolução mercantilista e industrial, que transformaram o perfil dos trabalhadores, bem como o perfil das cidades.

Seus movimentos, pressionados pela carência assistencial que acompanhou tal revolução, impulsionaram a internacionalização de uma filosofia do bem-estar que permitiu a reconquista da dignidade humana, trazendo à baila a necessidade de existência de estruturas socioeconômicas necessárias capazes de promover satisfatoriamente o desenvolvimento do homem. Ressalta-se, não obstante, que o processo, apesar de evoluído nos séculos passados, com especial menção aos contributos da Inglaterra, França e Estados Unidos – tendo sido esculpida a Seguridade Social nessa trajetória histórica como um regime de repartição, onde a sociedade como um todo contribui para prover prestações aos indivíduos que dela dependem – ainda não conseguiu alcançar o pretendido, em face da complexidade e da dificuldade de prover assistência a todos.

No Brasil, por sua vez, podemos apontar como primeiro registro de Previdência Social o Decreto 9.912-A de 26.3.1988, criador e regulamentador do direito à aposentadoria dos empregados do Correios. Desde então, o Brasil conta com uma vasta legislação, culminando na Constituição Federal de 1988, a qual possui um capítulo próprio dedicado à Seguridade Social, consagrando pela primeira vez no direito pátrio a autonomia do Direito Previdenciário, compreendendo ações e benefícios nas áreas de Assistência Social, Saúde e Previdência Social, em seus artigos 194 a 204.

A seguridade social é um sistema de proteção social de responsabilidade do Poder Público e da sociedade, voltado ao indivíduo, balizada por uma série de ações e benefícios que se destinam a assegurar direitos relacionados à saúde, à previdência e à assistência social, cabendo ao Estado a organização e a administração através de ministérios, entidades e instituições que promovam tais direitos.

O presente estudo tem como escopo a Previdência Social, parte da Seguridade Social. Falaremos brevemente da saúde e da assistência social, passando, por fim, aos pormenores da Previdência, discutindo seus princípios constitucionais e próprios, fazendo uma breve análise de sua estrutura e funcionamento, mencionando, por fim, as questões mais polêmicas que a cercam na atualidade.

O direito à saúde está disposto nos artigos 196 a 200 da Constituição Federal, sendo traduzido por uma política socioeconômica voltada para a erradicação e prevenção de doenças, bem como para o tratamento e recuperação de doentes e a manutenção do estado saudável da população em geral, através de uma alimentação adequada e boas condições de higiene. A saúde é responsabilidade do Estado, organizada através do SUS (Sistema Único de Saúde), financiada com recursos do orçamento da Seguridade Social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, entre outras fontes. Os serviços oferecidos independem de filiação ou contribuição, sendo direito de todos os cidadãos.

A assistência social está disposta nos artigos 203 e 204 da Constituição Federal, atendendo à população independente de contribuição, tendo como objetivo promover os que deles necessitarem. Há ainda previsão para que a União institua programas de renda mínima para assegurar a subsistência de pessoas e famílias de baixa renda. É financiada com recursos do orçamento da seguridade social, além de outras fontes, e organizada segundo as diretrizes dispostas na lei 8.121/91.

A previdência social, por sua vez, compõe o terceiro e último elemento do sistema de Seguridade Social. Através dela o Estado promove auxílio aos segurados que com ela contribuem – diferente das outras esferas da Seguridade Social, a Previdência Social depende da contribuição dos beneficiários, atingindo, portanto, apenas uma parcela da sociedade –, nas situações em que os mesmos estão impedidos de trabalhar, bem como nos casos de maternidade, idade avançada, doença e invalidez. Há ainda previsão de benefícios aos dependentes dos segurados, entre eles os benefícios de pensão em caso de falecimento e o auxílio-reclusão.

As diretrizes da previdência social estão dispostas no artigo 201 da Constituição Federal, definindo sua organização sob a forma de regime geral, filiação obrigatória por todos que exercem atividade remunerada, obedecendo ainda critérios que observem seu equilíbrio financeiro e atuarial, atendendo os segurados nos casos de (i) doença, invalidez, morte e idade avançada, (ii) (iii) maternidade, (iv) desemprego involuntário, (v) salário-família e auxilio reclusão para os dependentes de baixa renda e (vi) pensão por morte para cônjuge, companheiros e dependentes. Sua finalidade reside, portanto, em proporcionar ao segurado e seus dependentes o recebimento de quantia que lhes garanta, em face das contingências supracitadas, meios de subsistência, sendo vedado, nesta esteira, qualquer contribuição ou rendimento inferior ao salário mínimo.

Entre os princípios constitucionais que norteiam a Previdência Social podemos apontar os princípios gerais aplicáveis a todos os ramos do direito, os princípios da Seguridade Social e os exclusivos do Direito Previdenciário.

Entre os princípios gerais, os mais importantes a serem destacados são:

a) igualdade ou isonomia de tratamento: o artigo 5oda Constituição Federal garante que todos são iguais perante a lei, sendo vedado tratamento diferenciado aqueles que se encontram em condições iguais. No âmbito da Seguridade Social, a isonomia aplicável em consonância com o princípio constitucional deve ser a isonomia material, ou seja, tratando os desiguais na medida de suas desigualdades, a fim de promover uma melhor justiça social;

b) vedação ao retrocesso social e direito adquirido: há na nossa carta magna, no artigo 5o, vedação expressa à supressão ou redução de direitos fundamentais já conquistados, o que no âmbito da seguridade social implica que os direitos conquistados não podem ser reduzidos ou supridos, levando muitas vezes à uma grande dificuldade em se conseguir novos benefícios, haja vista a preocupação com o equilíbrio financeiro do sistema. Nesta esteira, temos ainda a proteção constitucional do direito adquirido, também disposto no artigo supracitado, que visa proteger os direitos que já integram o patrimônio jurídico do cidadão, não podendo o Estado excluí-lo ou alterá-los;

c) legalidade: este princípio influencia no âmbito da Seguridade Social, bem como em todo o direito público, na medida em que novos benefícios ou obrigações devem ser criados através de leis ordinárias, bem como toda contribuição deve ser criada através de lei complementar.

d) proteção ao hipossuficiente: a criação do sistema da Seguridade Social está baseada na possibilidade do Estado oferecer proteção social ao cidadão. Assim, há uma intrínseca relação com a dignidade humana, a justiça e o bem estar, princípios orientadores da nossa Constituição.

Entre os princípios orientadores da Seguridade Social, dispostos no artigo 194 da Constituição Federal, bem como nas leis infraconstitucionais, podemos apontar:

a) Universalidade de cobertura e atendimento: garantindo a disponibilização das ações e benefícios a todos que deles necessitarem, sem qualquer possibilidade de discriminação, ressalvando-se que no caso da Previdência Social há caráter contributivo para tornar-se segurado.

b) Uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais: Os serviços dever ser equivalentes para as populações urbanas e rurais. No caso da Previdência Social, haja vista seu caráter contributivo e associativo, os benefícios só serão equivalentes nos casos de contribuições equivalentes.

c) Seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços: a seletividade identifica-se como orientadora de ações diversas, voltadas às necessidades especificas dos beneficiários destas políticas. A distributividade, por sua vez, implica na distribuição de renda e proteção social, sendo que os serviços e benefícios concedidos devem ser realizados de maneira equitativa e justa, promotora de proteção social para o maior número possível de beneficiários.

d) Irredutibilidade do valor dos benefícios: este princípio visa garantir aos cidadãos que o benefício que lhe é concedido não sofrerá redução ou descontos. Há ainda previsão legal no parágrafo 4o do artigo 201 da Constituição Federal, atribuindo segurança aos cidadãos do reajustamento dos benefícios previdenciários para a preservação de seu real valor, ficando a cargo de lei ordinária suas diretrizes. Uma discussão atual acerca deste princípio é o processo de “achatamento” que vem sido evidenciado nos últimos anos pelos beneficiários dos benefícios previdenciários.

e) Equidade na forma de participação no custeio: tem por objetivo distribuir com equidade o percentual de contribuição cabível aos diversos setores da sociedade na manutenção do sistema de seguridade social.

f) Diversidade da base de financiamento: o artigo 195 da Constituição Federal preleciona que as fontes de receita que custearão a Seguridade Social devem ser diversas, financiadas por toda a sociedade de forma direta ou indireta, mediante recursos dos entes federativos, e contribuições obrigatórias de empresas e dos trabalhadores.

g) Caráter democrático e descentralizado da administração: a Seguridade Social deve ter participação ativa da sociedade, exercida por representantes dos diversos grupos sociais organizados.

Por fim, como princípios exclusivos aplicados ao custeio previdenciário, prelecionados no artigo 195 da Constituição Federal, podemos apontar:

a) Solidariedade: o sistema previdenciário é custeado pelos entes federativos e pela sociedade, num sistema de repartição simples, onde a população ativa contribui para financiar os segurados.

b) Orçamento diferenciado: o orçamento destinado à seguridade social é distinto do da União, com o intuito de assegurar que os recursos destinados para tais medidas sejam integralmente gastos com elas.

c) Precedência da fonte de custeio: todos os benefícios ou serviços criados devem ter sua correspondente fonte de custeio para garantir tais despesas.

Entre as questões atuais acerca da Previdência Social, podemos destacar o “achatamento” da renda mensal percebida pelos beneficiários, em grave descumprimento dos preceitos constitucionais dispostos no parágrafo 4o do artigo 201 da Constituição Federal, bem como uma discussão que tem sido alvo de grande atenção nos últimos tempos, em especial em face do último censo e das últimas projeções atuariais promovidas pelo Ministério da Previdência Social, mais precisamente no que tange ao estudo das tendências demográficas brasileiras para as próximas décadas.

Como já apontado, a Previdência Social funciona em regime de repartição simples, ou seja, a população ativa financia os inativos na expectativa de que futuramente tenham seus benefícios patrocinados pelas futuras gerações de trabalhadores ativos. Em face dessa realidade, variáveis como o crescimento da população, a expectativa de vida dos cidadãos, a evolução do perfil etário e a taxa de urbanização são fundamentais para a estimação da evolução da proporção de contribuintes e beneficiários do sistemas, bem como para as projeções e contingências que devem ser tomadas para que o sistema da previdência se mantenha saudável e apto a assegurar os que dela dependem para sua subsistência.

O IBGE, em suas últimas pesquisas, estima que a tendência atual de declínio da taxa de crescimento da população e do envelhecimento populacional promovido pelas melhoras nas condições de vida, no acesso à saúde, diminuição da taxa de fecundidade, entre outros fatores, deve se manter, o que leva à estimativa de um alargamento no topo da pirâmide populacional brasileira e um achatamento de sua base.

Haja vista este novo cenário populacional, haverá invariavelmente fortes impactos na estrutura de financiamento da previdência social, bem como na dinâmica da economia brasileira, que possivelmente não contará com número suficiente de contribuintes para sustentar o número de beneficiários do modelo atual, bem como não contará com mão de obra abundante.

As projeções demográficas atuais apontam o crescimento da população idosa, não acompanhado de aumento significativo na população jovem e, potencialmente, economicamente ativa, o que leva a Previdência a estimar uma queda nesta proporção atual de 5,3 para 1,6 em 2050, indicando, assim, um substancial comprometimento da base de suspensão da previdência social. Este cenário deve ser levado em conta para futuras políticas de planos de benefícios, bem como nas mudanças que logo se farão necessárias nas políticas previdenciárias.

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